Metade da cobertura vegetal original do Cerrado brasileiro já foi erradicada, e o que sobrou está com dias contados, já que apenas 8% de sua área está inserida em unidades de conservação. É o que diz a reportagem publicada no Jornal O Globo no último dia 23. Segundo a matéria, o bioma, considerado a savana mais rica do mundo, é um retrato da negligência com a preservação de áreas não florestais. Embora elas cubram 54% da superfície terrestre do mundo, somente 12% estão em territórios protegidos por lei.
Assinado por entidades como ONU, WWF e a União Internacional para Conservação da Natureza, o Rangelands Atlas assinalou que os esforços de conservação e desenvolvimento, atualmente concentrados nas florestas, devem ser estendidos para outros ecossistemas, “se quisermos enfrentar as crises climáticas e naturais do mundo e, ao mesmo tempo, atender de forma sustentável à demanda global de alimentos”.
De acordo com o Atlas, apenas 10% dos planos climáticos nacionais, que propõem a redução das emissões de gases estufa, mencionam biomas não florestais. É, segundo o levantamento, um sinal de desinteresse na proteção dessas áreas, o que pode dificultar o combate ao aquecimento global. “ Há ecossistemas valiosos, como pastagens, savanas e tundras, que são vistos apenas como florestas degradadas”, lamenta Jean-François Timmers, coordenador de advocacy do WWF para desmatamento e conversão. No entanto, são regiões ricas em espécies endêmicas, ou seja, que só existem nestas localidades, e que armazenam carbono, um gás de efeito estufa, no subsolo.
Timmers destaca que o Cerrado brasileiro é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo. Nele estão quase 5% das espécies endêmicas do planeta (e 30% do Brasil). No seu subsolo há aproximadamente 13,7 bilhões de toneladas de carbono. Sua riqueza, no entanto, é desafiada pelo avanço do desmatamento, que aumentou 22% em apenas um ano. Entre 1º de janeiro e 27 de maio, o bioma perdeu 2.065 km², ante 1.685 km² no mesmo período em 2020.
Em algumas áreas, o bioma passa por um processo de desertificação, e os gases estufa são liberados para a atmosfera. Desta forma, o Brasil não conseguirá cumprir seus compromissos internacionais firmados nas convenções do clima e de biodiversidade. “Houve muitos momentos nos últimos anos em que a taxa de desmatamento do Cerrado foi maior do que a da Amazônia. Sua devastação não tem sentido, porque ele conta com uma área suficiente para duplicar a produção agrícola sem a necessidade de derrubar uma árvore”, ressalta Timmers. Apesar da quantidade de carbono que consegue estocar, o Cerrado não é mencionado no plano climático que o Brasil apresentou no Acordo de Paris.
O pesquisador acrescenta que a degradação florestal torna os ecossistemas vulneráveis a espécies invasoras e aproxima o homem de vetores de doenças como a febre amarela e a dengue. Estima-se que, nos próximos anos, este contato pode provocar a formação de novas pandemias.
Coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor da UFMG, Raoni Rajão assinala que o Cerrado também sofre com a especulação fundiária. Apesar da ampla área já existente propícia para o cultivo agrícola, há, segundo ele, um “incentivo econômico para desmatar”.
Além de desencadear uma perda ecológica e o agravamento da crise climática, a devastação do Cerrado traz consequências econômicas para todo o país. “O Cerrado é a caixa d’água do Brasil: é ele que captura a água no subsolo e a lança em lençóis freáticos. Sem esse serviço do ecossistema, o país perde a regularidade hidrelétrica. Nossa crise energética está vinculada ao desmatamento” alerta.
(Fonte: O Globo)
Publicado em 30/06/2021